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quinta-feira, 12 de abril de 2012

UM CONTO MEU - MUNDO CÃO

                                        Aquele sofrido nordestino morava com sua família numa das incontáveis grotas existentes na pobre e populosa Mauá, cidade de periferia da Grande São Paulo.  O nordestino por lá passa a ser genericamente “baiano”, independente do seu estado de origem.
     O homem era baixinho, bem moreno, cabelo sempre comprido, pele castigada pelo sol no lombo, de tanto andar a pé, porque ônibus é só para quem tem alguns trocados para se dar a esse luxo.
     A casa onde morava no fundo de uma grota foi construída em madeira, por ele mesmo, nas horas de folga do pesado trabalho braçal na estrada de ferro, como contratado para serviços gerais.      A casa era pequena para acomoda-lo, juntamente com a mulher e uma “renca”de filhos, todos pequenos.   O casebre destoava das moradias adjacentes, todas modestas, porém construídas em alvenaria, quase sempre à base de mão de obra familiar, em mutirão nos finais de semana.     O aperto geral gera solidariedade no ser humano.
     Um dia o baianinho, como que por milagre, conseguiu umas reservas e comprou um pouco de tijolos.    Logo se pôs – feito pedreiro – a construir uma casinha de alvenaria.    O mais curioso é que foi levantando as paredes envolvendo a casinha de madeira, sempre morando na mesma, até porque não tinha outro local para morar enquanto levantava a casinha nova.
     O sonho dele se materializou numa casa acabada, sem reboco nas paredes.   Paredes rústicas, portas de madeira reciclada e um telhado em cima e pronto.    Acabamento, praticamente nenhum.    Mesmo assim ele pode se sentir um vitorioso, pois tinha um teto razoável para sua família.
     Nosso amigo era uma pessoa tranqüila quando estava sã, mas quando tomava umas gororobas, ficava agitado.    De vez em quando, alterado por uma cachacinha a mais no  fim da tarde, depois do trabalho, dava uns berros com a esposa e sobrava bronca para a filharada que se esparramava pelo quintal.   O quintal era uma rampa, cheia de bananeiras, que terminava no córrego logo abaixo.   
     Certo dia, um vizinho viu que o pega na casa do baianinho foi um pouco mais dramático, pois se ouviram berros, choros da criançada e o ganir desesperado da cachorrinha de estimação, tudo ao mesmo tempo.   E se viu gente descer ladeira abaixo rolando, por entre bananeiras, quase até chegar no córrego da divisa do quintal.
     Passados alguns dias, o vizinho que desfrutava da amizade do pobre baianinho, quando ele estava na versão sem cachaça, tocou no assunto do fuá ocorrido dias atrás.
     O baianinho, cheio de razão, explicou tudinho:
     Acabara de chegar em casa cansado do batente e estava num de seus dias de bem com a família, apesar de ter tomado algumas pelo caminho.  Mas não demorou muito e a cachorra – aquela de estimação – resolveu, num gesto infeliz, dar uma mordida numa das crianças.   Como diria o mineiro:   Foi a conta...
     Criança berrando, mãe descabelando e o baianinho ficou cego de raiva e caiu de dente na cachorrinha.   Caíram e rolaram ambos ladeira abaixo, ele mordendo a cachorra, para ela tomar como exemplo, ao seu modo.   
     - Coisa feia!  Onde se viu morder as crianças!!!   É coisa que se faça?!!
     Depois de explicado o acontecido, ele confidencia ao amigo:
     - Eu estimo demais aquela cachorrinha danada. Como estimo!   Sou franco em dizer que estimo mais ela do que a minha mulher.   É isso mesmo!
     E justificou:
     - Veja se não estou certo:   Quando me pego com a velha lá em casa, ela fica carregada de ódio e passa um tempão que nem olha pra minha cara, quanto menos falar comigo.   É cada um no seu canto.    Já a cachorrinha, não!    Depois de uma chuva de pancada que eu dou nela, ou até umas dentadas como daquela vez, não demora um minuto e eu chamo a danada, estalando o dedo e ela vem toda feliz, abanando o rabo, fazendo festa.    A gente pega amor...


                            Autor – Orlando Lisboa de Almeida
      
                            orlando_lisboa@terra.com.br



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