Autor:
Eng.Agr. Orlando Lisboa de Almeida -
Mauá- SP
I – FASE PRÉ DITADURA
Meu nome é Orlando Lisboa de Almeida, 64,
nascido aos 06-08-1950 na fazenda Vitória, Bairro Represa, zona rural do
município de Cerquilho-SP. Digo isso
para esclarecer um pouco do que levou minha família a migrar posteriormente
(1961) para Mauá-SP.
Meus pais eram empregados de uma grande
fazenda de criação de gado e na época a família tinha seis filhos, sendo que a
sétima, a caçula, já nasceu em Mauá, após a migração.
No final da década de 50, início da de 60,
o Brasil passava por um momento de crescimento da luta pela Reforma Agrária e
quando João Goulart assumiu a presidência da república, cresceu a expectativa
do povo. Os setores conservadores
fizeram intensa campanha contra o comunismo e contra a luta dos trabalhadores
pela Reforma Agrária. Entre outros
boatos, espalharam que os empregados das fazendas iam se tornar donos das
terras e os patrões iam ficar sem nada.
Além de outros fatores, isto contribuiu para se quebrar o elo de
confiança entre empregados e patrões, criando um clima de estranhamento de
parte a parte. Sem aprofundar no tema,
fiquemos nisto por aqui.
Meus pais, que já trabalhavam há 25 anos
na mesma fazenda, até por falta de perspectivas de estudar os filhos, já tinham
vontade de migrar para a cidade e o local seria Mauá-SP não por acaso. Lá já viviam parentes da parte do meu pai e
da minha mãe, estes que já tinham se empregado nas indústrias com carteira
assinada, conseguiram comprar seus lotes de terra e construíram por etapas e
sacrifício, suas casas de moradia.
Eram vencedores na nova etapa, como migrantes. No caso dos meus pais, somaram-se a falta
de perspectiva de estudo na zona rural, mais a instabilidade no campo com o
estranhamento trazido pela cogitação da Reforma Agrária de um lado e de outro,
a perspectiva de migração para onde os parentes já tinham mudado e “vencido” na
nova morada, saindo do campo e indo para Mauá-SP, viver na cidade. Em outubro de 1961 minha família chegou
migrante a Mauá-SP, mais precisamente na Vila Bocaina.
A instabilidade criada no campo foi um dos
fatores que “justificaram” a ação dos que perpetraram a Ditadura Cívico Militar
em 1964.
II – FASE DA DITADURA EM SI
Em 64 eu tinha 14 anos de idade quando
ocorreu o Golpe. Mauá-SP nesse tempo
teria menos de 40 mil habitantes, sendo uma cidade proletária, onde a rotina
era levantar cedo, tomar condução para ir ao trabalho, muitas vezes o ônibus
urbano até a estação do trem e depois este no rumo de São Paulo. Sair cedinho e voltar tardão, com corrida
da marmita e tudo na saída do trem, na volta para casa, correndo da estação até
o ponto de ônibus para conseguir ao menos embarcar. Dia após dia.
Em 1964 ter telefone em casa era raridade
e nós não tínhamos, apesar de quatro da casa já trabalharem em fábrica. Televisão era televizinho. Pouca gente tinha e quem tinha na vizinhança
sempre tinha visita para poder ver alguma coisa pela TV à noite.
Notícias mesmo, bem ou mal, eram mais pelo
rádio, já que jornal não era muito usual o trabalhador comprar por falta de
hábito, de poder aquisitivo e falta de tempo.
Por várias razões, só aos quinze anos eu,
após passar no Exame de Admissão, entrei no ginásio no Viscondão que ainda
ficava junto à famosa paineira da Avenida Barão de Mauá. Nesse tempo tinha um “Vestibulinho” para entrar
no ginásio e me parece que o único ginásio de Mauá era o Viscondão (em 1965)
No meu tempo de ginásio ouvíamos falar e
líamos alguma coisa ou mesmo ouvíamos pelo rádio algo sobre a repressão
militar, mas a rotina era sem informação sobre isso. Era um
tempo obscuro e se alguém percebia que havia algo muito errado, não se atrevia
a procurar mais detalhes, por temer riscos.
Lá pelo início do curso Colegial (segundo
grau) fomos da primeira turma no Viscondão, do curso com as mudanças impostas pelo
Regime Militar. Tempos do convênio
MEC/USAID sendo o USAID uma agência de “cooperação”
do governo norte americano nessa área.
Incutir o medo do fantasma do comunismo e outras coisinhas mais na
cabeça do povo. Tempos das aulas de
Educação Moral e Cívica para os alunos se enquadrarem no padrão do governo
militar.
Suponho que os professores da época
(Moacir Parisi, Geraldo Cavalcanti, dona Elva, Florencio Blanco e outros)
tinham alguma noção do que se passava, mas a “moda” era bico calado para o que
fazia o regime. Os jornais, mesmo com a
presença dos censores do regime, deixavam escapar algumas notícias de crítica
ao regime militar. Mas a marcação era
cerrada e jornalistas às vezes eram punidos e Vladimir Herzog foi um dos que
pagou com a vida, sendo “suicidado” na prisão.
AMIGOS DE MAUÁ – SP
A maioria dos meus amigos na época era
composta de colegas de colégio do Viscondão.
Alguns colegas de classe eram mais novos que eu e vários outros eram
mais velhos e dentre estes, uns raros mais politizados e que viam um pouco mais
do que estava acontecendo, pois eram tempos de greves, com destaque para os
metalúrgicos do ABC, muitos deles trabalhadores das montadoras de
automóveis. Nós estudávamos à noite,
desde o ginásio e a grande maioria dos colegas já trabalhava e eu estava entre
os mesmos.
Meu pai trabalhava como zelador no período
noturno na Porcelana Mauá. Ele quase não
tinha estudo e acompanhando os demais empregados, foi um dos que doou o
equivalente a um dia de trabalho descontado na folha de pagamento para a
campanha governamental chamada Dei Ouro para o Bem do Brasil. Como contrapartida ele ganhou como os demais,
um anelzinho de bronze ou latão dourado com os dizeres da campanha. Meus pais também participaram como alunos
do curso de alfabetização de adulto lançado pelo regime militar. Era tempo do MOBRAL Movimento Brasileiro de
Alfabetização. No caso dos meus pais,
eles já tinham alguma instrução e até liam e escreviam, mas completaram o
primeiro grau no Mobral.
Tempos de ler livros do Grêmio Monteiro
Lobato, a biblioteca do Seo Dito, ali no centro de Mauá, perto da Calçados
Bozelli. No Grêmio era o ponto de encontro dos
intelectuais jovens e outros nem tanto, da cidade. Alguns ativistas políticos enrustidos pelo
meio. Nesse tempo (1968-72) conheci os
irmãos Olavo e Castelo Hansem, que frequentavam o Bar do Yugo, ao lado do
cinema novo, o Cymaflor. O Olavo, mais
franzino e de rosto fino. Não era
estudante na época e se dizia gráfico na região. Conversávamos com ele e seu irmão um pouco de
tudo, com uma pitada de política no meio, mas de forma despretensiosa. O irmão dele, o Castelo, na época era mais
encorpado e de óculos fundo de garrafa.
Ambos eram bem informados, liam jornais e livros, argumentavam muito bem
e o Castelo é um poeta desde aquela época, considerado por mim, digamos assim,
um Maiakovski – poeta operário – de Mauá dos anos 60-70. Eles não davam bandeira, mas eram militantes
de partido comunista, não me lembro a denominação e nem na época eu sabia. Pagaram alto preço pelo idealismo e luta.
Tão alto, que mais tarde o Olavo Hansem
foi “desaparecido” pelo regime militar (pela repressão ligada ao regime) e só
reapareceu muitos anos depois como uma das ossadas encontradas numa vala comum
num local sem identificação no Cemitério do Bairro de Perus. Hoje, merecidamente, o Olavo Hansem tem o
seu nome perpetuado num colégio de Mauá. (continua....) Tempo de Cursinho no MED na rua Augusta
e Universidade em Piracicaba – ESALQ-USP.....
No máximo daqui uns quatro dias, devo passar a limpo no Word o manuscrito da parte final que envolve o tempo de cursinho pré vistibular e o tempo da universidade.
ResponderExcluirGostei, Orlando... Vou aguardar a continuação!!!
ResponderExcluirO Sociólogo BETINHO, também passou pela cidade , onde morava no bairro Zaira.
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